sábado, novembro 26, 2005

 

Romeu e Isolda


Todo centro, de toda cidade, tem um lugar em que as casas têm mais de 100 anos. Todo centro, de toda cidade, tem um pedaço em as ruas são de paralelepípedo, as calçadas estreitas, as árvores miúdas. É ali, pertinho da igreja, do mercado municipal, do camelô, dos 1,99. Perto de uma praça florida cheia de árvores frondosas com um coreto no meio. É logo ali, seu moço! Do ladinho do teatro da escola.
Toda cidade tem um teatro. Mas não um teatro qualquer, mas um desses com mais de 100 anos, com a fossa da orquestra na frente do palco, balcões para os ricos e o lugar dos escravos. É um lugar de cortinas pesadas de veludo vermelho com amarrís dourados bancos de igreja e nenhuma acústica.
É nesse teatro que os aspirantes a atores começam suas carreiras. Ali citam os primeiros grandes escritores, recitam os grandes poetas, tomam os primeiros esporros de seus diretores. São nessas coxias que esperam ansiosos pela sua entrada triunfal os novos Romeus e a novas Isoldas. São nesses camarins que surgem amores, brigas, intrigas, idéias.
Foi naquele palco, desse teatro, desse centro que ontem eu vi Romeu e Isolda. Simplesmente magnífico. Os cenários rudimentares, o som difícil de ouvir, o calor da vida enclausurada longe dos ventiladores e aparelhos de ar-condicionado, a paixão, o amor pelo teatro, pela vida, pela cena.
Na criação do mundo todos eram homens e mulheres, um dia os humanos invadiram o Olímpo e Zeus, como castigo, ordenou que se dividissem em duas partes, criando assim homens e mulheres, desde então todos estão a procurar sua outra metade perdida por aí.
Por cerca de 2 horas vários Romeus e várias Isoldas buscaram seus pares com maestria e delicadeza. Com maturidade muito acima dos 16 anos de seus atores. Mostrando que o amor vale a pena para aqueles que têm a alma grande, que se deve considerar justa toda forma de amor.
Trazendo preconceitos, estereótipos, conflitos, dilemas, buscas, perdas, encontros, desencontros, frustrações, conquistas e muitas outras coisas tão inerentes ao ser humano que muitas vezes ajudam a conferir o caráter de humanidade. Tudo isso com a medida certa de humor e drama, com atuações maravilhosas e - apesar do som estourado - com uma escolha perfeita da trilha sonora.
Cenas memoráveis, Isoldas memoráveis. Isolda abandonada pelo marido, Isolda apresentadora de programa de auditório, Isolda lésbica, Isolda de bar, Isolda hippie, Isolda natureba, Isolda patricinha, Isolda breaca. Romeus memoráveis. Romeu playboy, Romeu surfboy, Romeu cego, Romeu nerd, Romeu da facul, Romeu do trabalho, Romeu carioca-swing-sangue-bom.
E em suas diferenças Romeus e Isoldas, Julietas e Tristões, Romeus e Julietas, Isoldas e Tristões se encontravam de alguma forma, por mais capenga que fosse, assolados pelo turbilhão da vida pós-moderna, da vida sem amor, sedenta de amor.
Espero que toda Isolda encontre seu Romeu, todo Tristão sua Julieta, todo amor a sua metade.

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