quinta-feira, dezembro 21, 2006

 

Seu João

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Todo dia as 8:30 da noite pontualmente Seu João vem recolher meu lixo. Vem calado e vai num silêncio cortante, recolhendo os papéis de lata por lata das várias baias do corredor. Seu João, um mameluco de cabeleira vasta, filho de paraibanos que vieram pra São Paulo em busca de uma vida melhor, passa incógnito por milhares de pessoas todos os dias levando consigo aquilo que eles desprezaram.
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Quando estou por aqui fico abismada em ver como só noto a presença do Seu João quando ele já está bem pertinho. Ele veio corredor a baixo, sempre em silêncio. Olhando pra ele digo "Boa noite, Seu João. Tudo bem com o senhor? E a neta?" ele retribui com um sorriso banguela, abaixa a cabeça e responde baixinho, quase pedindo desculpa pela audácia de falar. E se vai, sempre pensando "Ah! Eu nunca tive oportunidade na vida pra ter o que esses jovens têm, mas se Deus deixar e eu trabalhar muito eu vou conseguir dar uma vida boa pra minha netinha e um dia ela estará sentada nessa cadeira". E assim, noite após noite, ele vai e vem por esse mar de corredores sonhando com uma vida melhor.
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O Seu João nunca se questiona como pode um jovem com 1/3 da idade dele ganhar 5, 6, 10 vezes mais que ele. Na loteria da vida ele nasceu em uma família que nunca pode lhe dar estudos e ele é um homem abençoado de saber assinar o nome, porque foi graças a isso e às orações da esposa Maria, que ele conseguiu esse emprego bom, mesmo depois de aposentado.
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O Seu João nunca se arrepende de não estar em casa brincando com a neta, ele sabe que seu exemplo e sua labuta é que vão mudar a vida dela e não memórias de brincadeiras de infância, de sorrisos em tardes de verão.
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Motivado por seus sonhos ele acorda todo dia as 6:30, faz amor com a esposa, levanta, sai pra comprar o pão. Depois de tomar seu café, preto e sem açúcar, brinca um pouco com a neta e sai de casa para chocalhar os ossos no ônibus apinhado de gente por mais de 1 hora. No almoço ele faz uma refeição cheia, prato apinhado, aproveitando que a empresa paga e sabendo que essa será a única refeição do dia. Quando pode leva um potinho, guarda o resto e leva pra Maria. Ele só janta se os jovens e bem sucedidos funcionários pedem pizza e oferecem o que sobrou para ele e os amigos.
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Quando chega em casa, cansado e dolorido, afinal a idade já não lhe permite mais a mesma vitalidade, deita e dorme pesado. Um sono justo, de consciência limpa, de quem sabe que fez seu melhor, de quem sonha com uma vida diferente pros seus descendentes. Dorme com a barriga vazia, mas o coração cheio de amor.
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