sexta-feira, julho 07, 2006

 

Terapia do Abraço

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"Assim como ossos, carne, intestinos e vasos sanguíneos
estão encerrados em uma pele que torna a visão do
homem suportável, também as agitações e paixões da
alma estão envolvidas pela vaidade: ela é a pele da alma."
(porco-chovinista genial do Nietzche)
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Quando eu ainda estava no colegial as professoras de história, artes e português se uniram para dar um trabalho de final de ano no qual deveríamos trabalhar com algum tema da atualidade que tratasse de questões sociais. Meu grupo montou uma instalação - meu filho eu já era metida desde pequena...
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No canto de uma sala de aula colocamos um lençol preso nas paredes no qual a Hal desenhou uma cidade muito linda e fofa, cheia de prédios brilhantes e com um sol feliz, tipo uma cidade da Turma da Mônica, mas refletidos nas janelas estavam as fotos da verdade social que o Brasil se encontrava. Quando a pessoa passava para o lado de dentro do lençol havia um cenário de miséria e drogas - meu memorável baseado de chá e a colherinha pronta pra esquentar açúcar do lado da seringa ficaram, modéstia à parte, muito bons. Na parede textos refletindo sobre a hipocrisia da sociedade em fingir um mundo perfeito quando na verdade nós víamos o mundo se deteriorando no reflexo de nossas janelas.
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Como precisávamos de fotos para o pregar nas janelinhas fomos até o centro, de câmera na mão, flagrar momentos cotidianos. O ano era 98, plena época de copa, bandeiras pra todos os lados e nisso vi um velhinho pedindo esmola em seu chapéu sentado na frente de uma bandeira enorme do Brasil. Dei umas moedas pro Mauro e falei: Passa devagar pra dar tempo de eu bater com sua mão por perto.
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E lá se foi o Mauro - que aliás brincou de Wally e apareceu em todas as fotos aquele dia - dar a esmola enquanto eu batia aquela foto que eu nunca vou poder mostrar pra vocês, mas que ainda está viva na minha memória e que eu ainda choro de ódio quando penso no que aconteceu... havíamos comprado um filme PB pra revelar colorido e conseguirmos fotos em sépia, mas não sei se foi o filme, a máquina ou o processo de revelação, tudo que sei é que nenhuma foto daquele dia nunca chegou a ser revelada e ampliada.
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Durante essa copa - enquanto ainda havia jogo do Brasil - montaram um esquema para que nós pobres mortais que trabalhamos com os pouco compreensíveis about soccer, norte-americanos, pudéssemos dar o ar da graça e gritar GOOOOOOOOOLLLLLL. Montaram um telãozinho no restaurante para a gente. Como o jogo contra Gana foi na hora do almoço tinha uma pequena multidão se empurrando pra enxergar alguma coisa.
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Lá no meio do segundo tempo o Betinho Carlos caiu levando uma encochada monstra de um negão e se refestelou nas pernas de ébano depois de já despencado e fazendo cena. Preciso dizer que todo mundo riu, fez coisinhas histéricas, insinuou o homossexualismo e tal? Não, né? Sabia que onde você tinha visto a mesma coisa acontecer... sim eu sabia.
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Mas retomando o fio... nesse momento olhei pra trás e vi um velhinho da limpeza - que vocês não fazem idéia de como lembrava fisicamente o meu velhinho da bandeira - com seu uniforme azul e cinza, muito simpático, carismático e banguela. Fiquei olhando pra ele fascinada na cena, naquele sorriso sem dentes que cativava.
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Lembrei do meu avô e de como eu parava embasbacada no banheiro vendo ele fazer a barba com a navalha quando eu era pequena. Pensei que aquele senhor deve ter uma neta que está em casa o esperando pra brincar de alguma coisa e, no entanto, ele está ali no trabalho.
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Achei tudo aquilo muito injusto. Aquele homem do sorriso marcante tinha que ter uma condição bacana de vida com a aposentadoria dele e ficar curtindo a vida de pernas para o ar e não fazer faxina pra ter renda pra sustentar sua família. Senti a mesma indignação que tinha sentido ao ver um velhinho pedindo esmola abençoado pelo símbolo maior de sua pátria, que em teoria, deveria lhe dar sustento e condições dignas de vida.
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Quis levantar, andar até lá e dar um abraço forte e apertado nele. Me controlei, dominada pelas regras e conjunturas, podada, cerceada, moldada, amarrada por essa sociedade em que um abraço não representa carinho e sim uma brecha para o assédio sexual ou um processo por assédio sexual.
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Mas eu to aqui, de longe, abraçando aquele senhor do sorriso maroto, abraçando aquele velhinho que pedia esmola e mais milhões de brasileiros que como ele ralam duro todo dia, feito loucos - ou pior, não ralam, desempregados, marginalizados - e que ainda assim param tudo e pagam caro pra ver o jogo daquela seleçãozinha derrotada. O futebol é mesmo o ópio do povo.

Comments:
Grande post Má...
Bem o que penso em momentos como este...regras, posturas, poses,máscaras..enfim..
Tenho lances de afeto íntimo e pessoal com pessoas assim..dá vontade de ir lá e abraçar...
Velinhos, mendigos, cachorros vira-latas,tudo que me desperta isso...
Pena que este pais só para par futebol..mulher pelada e carnaval.. ah! em eleição..para ver o showmício..
beijo e bom findi Má
 
Pô, gostei pra caramba do post..
as vezes dá mesmo uma vontade assim, de sair abraçando um bando de gente sem motivo nenhum, só por um carinho que não dá pra explicar..
aiai..
bjão
 
Hummmm nada como um abraco bem apertado! Aparece tiaaaa! bjs
 
A FAXINEIRA DEIXOU UM BEIJO DO DIA DO AMIGO..AQUI PARA DONA MÁ!
 
porque será que estamos sempre à espera que o mau tempo passe quando os corpos se colarem num abraço!?

abraço infinitamente mais frio para aí... (uma das desvantagens da blogosfera...)

b*
 
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